[RESENHA] O coração das trevas
Em 08/07/2018 terminei a leitura de
"O coração das trevas", de Joseph Conrad.
O livro narra em retrospectiva as experiências de Marlow, nomeado capitão de um navio com a missão de ir a África para "resgatar" Kurtz, um comerciante de marfim e comandante de um posto de troca de marfim para uma companhia britânica.
A narrativa se prende à viagem e ao que Marlow ia descobrindo acerca de Kurtz ao longo dela, mostrando que ele era visto como um grande comerciante e uma pessoa muito importante para a Companhia, possivelmente exercendo a função de "Gerente" de sua área.
Mostra também que os nativos o idolatravam, mas nada é informado acerca dos motivos de tal devoção, sendo tal sentimento partilhado por aqueles que o conheciam, que se sentiam algo como hipnotizados e devotados a lhe agradarem.
Por fim o próprio Marlow se impressiona com Kurtz e passa a admirá-lo de modo inexplicável quando finalmente o encontram, depois de aventuras com ataques de nativos, sons noturnos não localizados, ameaça de naufrágios no rio.
E quando encontram Kurtz a suspeita de Marlow é que ele enlouqueceu, dado as falas desconexas e desejos de permanecer na selva, mesmo percebendo que não se aguenta em pé.
Francis Ford Copolla se inspirou neste livro para o seu filme "Apocalipse Now", mas ali o contexto é modificado, porque situa os eventos na Guerra do Vietnã, nada é dito sobre os interesses comerciais de alguma Companhia e Kurtz é transformado em um Coronel louco que precisa ser contido. O filme conta com grandes estrelas (Larry Fishburne, Marlon Brando, Martin Sheen, Robert Duvall, Dennis Hopper, Harrison Ford, etc.) e tem um enredo interessante, além de explorar mais a psiquê de Kurtz, na brilhante interpretação de Brando, do que o livro faz.
Contudo, precisa ser dito que o final da trama, com a morte de Kurtz no barco, foi algo muito decepcionante. Isso porque toda a narrativa da obra é feita em torno dele, recheada de discussões acerca do imperialismo e colonialismo europeus, que apenas se ligam com Kurtz por ele ter se engajado no comércio de marfim vindo da África e porque "subjugou" os nativos para que lhe obedecessem como se ele fosse uma divindade. Mas no final, nada dele é contado, revelado ou explicado.
Marlow inventa de sentir responsável por uma carta que Kurtz lhe dá pouco antes de sua morte e acha que deve comunicar a morte dele à noiva, pensando que é seu dever cuidar dela. Não, não há qualquer romance no ar, apenas aqueles finais estranhos que parecessem meio dissociados da trama principal e da trama subjacente.
Digo isso porque toda escrita ficcional me parece ter dois enredos: um é a narrativa direta da estória, com os personagens, os rumos das decisões que tomam, os fatos contados, etc., e o outro enredo seria a crítica subjacente à estória que pode implicar numa ratificação dos costumes e moral de época, como também pode ser uma indicação velada de contrariedade, o que pode ser visto no permear da estória, prestando atenção a todos os eventos.
Mas nesta obra o único viés do enredo que toda a crítica literária aponta, que é ter sido uma crítica ao colonialismo europeu, não é descrita nem como a opinião do marinheiro/narrador Marlow, nem como uma sugestão velada na obra e nada indica que Kurtz tenha sido um grande protagonista dominador de nativos ou que Marlow seja o libertador destes nativos e dos demais empregados da Companhia ao insistir em retirar Kurtz daquele ambiente, mesmo contra a sua vontade.
Claro que há elogios aos negros nativos, frases soltas sugerindo que Marlow achava que, afinal, eles teriam alma e coisas do tipo, mas uma leitura superficial apenas mostra que essas eram divagações de uma pessoa isolada, não sendo partilhado por mais nenhum tripulante do navio e não sugerindo, indubitavelmente, que Conrad se preocupava com tais questões mais do que para simplesmente usá-las em obras literárias.
Resumindo, entendo que se trate de um livro cuja leitura é necessária caso se consiga vislumbrar nele a crítica ao colonialismo ou mesmo uma eventual xenofobia e racismo de Conrad em relação aos africanos, que foi a tese defendida por Chinua Achebe numa palestra feita sobre a obra em 1975.
Confesso que também li de Conrad o livro "A linha da sombra", mas que não me cativou como eu esperava. Ainda tenho "Lord Jim" em minha estante, mas acho que devo baixar minhas expectativas quanto ao autor e encará-lo apenas como um bom autor, mas nada excepcional.
Veremos logo mais o que concluo, vez que muitos autores têm seus altos e baixos em alguns momentos de criação literária e não se pode condenar uma carreira com base em poucos exemplos de obras não tão excepcionais.
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