[RESENHA] E não sobrou nenhuma... mas, sim, sobrou um: eu
Por esses dias terminei a leitura de "E não sobrou nenhum", de Agatha Christie.
Esse livro em seu original, de 1939, se chama "Ten Little Niggers", o que originou, em português, traduções como "O caso dos dez negrinhos", mais literal, e outra "O caso dos dez indiozinhos", uma interpretação um tanto forçada, exceto se considerarmos uma possível ligação com o poema/música que norteia toda a trama, "Ten Little Injuns", de 1850 (provavelmente) e que se referia, sim, a uma ordem decrescente de dez indiozinhos, mas que foi adaptada pela autora.
Depois o livro passou a se chamar "And Then There Were None" quando publicado nos EUA em 1940, do qual deriva a tradução que li.
Que livro difícil de acompanhar!!! É quase impossível antever as ligações da trama. A única situação que suspeitava é que, se um dos convidados era o assassino, um deles poderia ter se fingido de morto para então continuar seus assassinatos.
O poema que norteia a trama é o seguinte, que também pode ser considerado uma música infantil ou uma trova de menestrel, segundo o que se encontra na internet a respeito dela:
Ten little Soldier Boys went out to dine;
One choked his little self and then there were nine.
Nine little Soldier Boys sat up very late;
One overslept himself and then there were eight.
Eight little Soldier Boys travelling in Devon;
One said he'd stay there and then there were seven.
Seven little Soldier Boys chopping up sticks;
One chopped himself in halves and then there were six.
Six little Soldier Boys playing with a hive;
A bumblebee stung one and then there were five.
Five little Soldier Boys going in for law;
One got in Chancery and then there were four.
Four little Soldier Boys going out to sea;
A red herring swallowed one and then there were three.
Three little Soldier Boys walking in the zoo;
A big bear hugged one and then there were two.
Two little Soldier Boys sitting in the sun;
One got frizzled up and then there was one.
One little Soldier Boy left all alone;
He went out and hanged himself and then there were none.
E na versão que li a tradução ficou assim:
Dez soldadinhos saem para jantar, a fome os move;
Um deles se engasgou, e então sobraram nove.
Nove soldadinhos acordados até tarde, mas nenhum está afoito;
Um deles dormiu demais, e então sobraram oito.
Oito soldadinhos vão a Devon passear e comprar chiclete;
Um não quis mais voltar, e então sobraram sete.
Sete soldadinhos vão rachar lenha, mas eis
Que um deles cortou-se ao meio, e então sobraram seis.
Seis soldadinhos com a colmeia, brincando com afinco;
A abelha pica um, e então sobraram cinco.
Cinco soldadinhos vão ao tribunal, ver julgar o fato;
Um ficou em apuros, e então sobraram quatro.
Quatro soldadinhos vão ao mar; um não teve vez,
Foi engolido pelo arenque defumado, e então sobraram três.
Três soldadinhos passeando no zoo, vendo leões e bois,
O urso abraçou um, e então sobraram dois.
Dois soldadinhos brincando ao sol, sem medo algum;
Um deles se queimou, e então sobrou só um.
Um soldadinho fica sozinho, só resta um;
Ele se enforcou,
E não sobrou nenhum.
E essa sequência norteia todo o desenrolar da trama. Todas as mortes ocorriam segundo a sequência da música. Mas há uma pegadinha quando se descreve a morte do quarto soldadinho ao mencionar "arenque vermelho" porque isso em inglês é uma expressão para significar "pista falsa" ou algo do gênero, indicando e sugerindo que alguém estaria arquitetando as mortes de forma dissimulada.
Basicamente a trama envolve personagens que teriam sido culpados de mortes injustas e teriam escapado da Justiça. O anúncio público dos crimes cometidos foi feito por um disco colocado num gramofone, na mansão da ilha, para onde todos os personagens foram, de alguma forma, atraídos por cartas de um suposto casal, Ulick Norman Owen e Una Nancy Owen, que lhes escreveu cartas contendo convites para passar a semana na ilha e informações pessoais deles.
Enquanto lia fiz algumas anotações sobre os personagens, e ei-las aqui:
PERSONAGENS:
Edward Armstrong: acusado da morte de Louisa Mary Clees em 14/03/1925 durante uma cirurgia que fez embriagado;
Médico famoso
Algo com a bebida se relaciona com a morte de Louisa
Emily Brent: morte de Beatrice Taylor em 05/11/1931;
65 anos;
Filha de coronel;
Preocupada com etiquetas sociais;
Renda reduzida; tinha dívidas vencidas;
Em devaneio culpou Beatrice Taylor pelos assassinatos;
William Blore: morte de James Landor em 10/10/1928;
Tomava notas meticulosas
Conhecia os demais anteriormente
Fingiu ser da África do Sul
Um velho no trem avisa que o "Dia do Juízo" está próximo ;
Acusa Emily Brent de ser a assassina por causa de sua calma após a morte de Rogers (ela estava fora da casa, chegou, Vera teve um ataque histérico e depois ela se propôs a fazer o café);
Vera Claythorne: assassinato de Cyril Hamilton em 11/08/1935;
Instrutora de jogos e educação física em escola de 3ª classe
Juiz a inocentou
Mrs. Hamilton? Cúmplice na morte do filho?
Hugo? Ex-amante?
Cyril morreu afogado?
Acha que Dr. Armstrong é o assassino;
Cap. Philip Lombard: morte de 21 membros de tribo na África Oriental em 02/1932;
Falido;
Proposta de um judeu de ganhar cem guinéus, Isaac Morris, de ir até a Ilha do Soldado;
Acha que Wargrave é o assassino;
Wargrave foi baleado e a arma, que tinha sido furtada de Lombard, reapareceu no seu criado-mudo;
Gal. John Macarthur: enviou o amante da esposa, Arthur Richmond, à morte em 14/01/1917;
Trata o assassinato como boato
Algum Armstrong teria dado com a língua nos dentes
Anthony Marston: assassinato das crianças John e Lucy Combes em 14/11/1945? (ou 1940) (próximo passado) em um atropelamento;
Rico
Thomás e Ethel Rogers (criados da casa): morte de Jennifer Brady em 06/05/1929, idosa de quem cuidavam e que lhes rendeu um legado no testamento;
Juiz Lawrence Wargrave: assassinato de Edward Seton em 10/06/1930 mediante sentença de morte desprovida de provas;
Influenciava o júri a decidir conforme queria
Basicamente a trama envolve personagens que teriam sido culpados de mortes injustas e teriam escapado da Justiça. O anúncio público dos crimes cometidos foi feito por um disco colocado num gramofone, na mansão da ilha, para onde todos os personagens foram, de alguma forma, atraídos por cartas de um suposto casal, Ulick Norman Owen e Una Nancy Owen, que lhes escreveu cartas contendo convites para passar a semana na ilha e informações pessoais deles.
Enquanto lia fiz algumas anotações sobre os personagens, e ei-las aqui:
PERSONAGENS:
Edward Armstrong: acusado da morte de Louisa Mary Clees em 14/03/1925 durante uma cirurgia que fez embriagado;
Médico famoso
Algo com a bebida se relaciona com a morte de Louisa
Emily Brent: morte de Beatrice Taylor em 05/11/1931;
65 anos;
Filha de coronel;
Preocupada com etiquetas sociais;
Renda reduzida; tinha dívidas vencidas;
Em devaneio culpou Beatrice Taylor pelos assassinatos;
William Blore: morte de James Landor em 10/10/1928;
Tomava notas meticulosas
Conhecia os demais anteriormente
Fingiu ser da África do Sul
Um velho no trem avisa que o "Dia do Juízo" está próximo ;
Acusa Emily Brent de ser a assassina por causa de sua calma após a morte de Rogers (ela estava fora da casa, chegou, Vera teve um ataque histérico e depois ela se propôs a fazer o café);
Vera Claythorne: assassinato de Cyril Hamilton em 11/08/1935;
Instrutora de jogos e educação física em escola de 3ª classe
Juiz a inocentou
Mrs. Hamilton? Cúmplice na morte do filho?
Hugo? Ex-amante?
Cyril morreu afogado?
Acha que Dr. Armstrong é o assassino;
Cap. Philip Lombard: morte de 21 membros de tribo na África Oriental em 02/1932;
Falido;
Proposta de um judeu de ganhar cem guinéus, Isaac Morris, de ir até a Ilha do Soldado;
Acha que Wargrave é o assassino;
Wargrave foi baleado e a arma, que tinha sido furtada de Lombard, reapareceu no seu criado-mudo;
Gal. John Macarthur: enviou o amante da esposa, Arthur Richmond, à morte em 14/01/1917;
Trata o assassinato como boato
Algum Armstrong teria dado com a língua nos dentes
Anthony Marston: assassinato das crianças John e Lucy Combes em 14/11/1945? (ou 1940) (próximo passado) em um atropelamento;
Rico
Thomás e Ethel Rogers (criados da casa): morte de Jennifer Brady em 06/05/1929, idosa de quem cuidavam e que lhes rendeu um legado no testamento;
Juiz Lawrence Wargrave: assassinato de Edward Seton em 10/06/1930 mediante sentença de morte desprovida de provas;
Influenciava o júri a decidir conforme queria
Como se observa, de todos os supostos culpados, apenas o General Macarthur e o Juiz Wargrave detinham a prerrogativa de se justificar mediante as possibilidades legais: o primeiro poderia dizer que simplesmente deu ordem ao seu subordinado para ir à frente de batalha (mais ou menos como a história do Rei Davi e Urias), mas sem determinar a sua morte, enquanto que o segundo poderia afirmar que no sistema jurídico inglês, ele apenas interpretava as provas segundo a lei, mas o veredito era dado pelos jurados. Assim, ambos estariam isentos de culpa.
Outra coisa: para conseguir comprar a casa, enviar os convites, pesquisar a vida dos demais e montar toda a trama, o assassino tinha que possuir recursos, logo, considerando que o assassino estava entre os convidados, pode-se excluir todos em que se relata terem dívidas ou estarem falidos ou que aceitavam a empreitada para ganhar dinheiro: o assassino já tinha dinheiro, logo, não precisaria vir à Ilha por tal motivo.
Confesso, mais uma vez, que não consegui descobrir o assassino enquanto lia a obra. Sua identidade me foi uma completa surpresa, pois meu único acerto foi deduzir que, se o assassino era um dos convidados, então um deles forjaria a própria morte e continuaria matando aos demais ou seria o que iria sobrar.
A primeira dificuldade com minha suposição: havia um médico entre eles que poderia atestar uma falsa morte, o que abrira outras duas possibilidades: (a) ou o Dr. Armstrong seria o assassino, forjando sua própria morte e continuando a matar ou matar usando seus conhecimentos médicos sem que os demais percebessem e acabar sobrando ou (b) o médico estaria implicado nos assassinatos, mas teria um cúmplice, o qual ele acobertaria para que ambos continuassem a matança.
A segunda dificuldade: algumas mortes não poderiam ser dissimuladas, como o machado cortando a nuca de um, a pedra caindo sobre a cabeça do outro enquanto os supostos dois restantes estavam juntos (o que implicaria a existência de alguém que teria dissimulado a própria morte antes).
A surpresa foi constatar que minhas teses teriam que ser combinadas para que o verdadeiro assassino fosse descoberto, pois SIM, um deles tinha que fingir a própria morte e SIM o médico teria que atestar a morte para que parecesse verídica, porém isso não era um plano no qual o Dr. Armstrong fosse cúmplice do assassino, pelo menos não conscientemente, mas o plano era que a pessoa supostamente acima de qualquer suspeita e escolhida para ser a falsa vítima, ajudasse a encontrar o verdadeiro culpado.
E o escolhido para ser o detetive acabou se revelando o verdadeiro assassino!! Agatha Christie foi brilhante na trama!
Com as explicações lançadas ao longo da narrativa ficara fácil relembrar os fatos e ver que ao menos um deles não teria cometido um crime ao final, pelo qual deveriam pagar com a vida ali na Ilha do Soldado.
A maioria dos acusados confessou para outro ou para si mesmo a autoria dos crimes. Isso é fato.
Muito embora o General Macarthur não tenha conduzido a mão que matou seu subordinado no front, essa não era a posição definível para um Oficial Militar subordinado, que deveria ficar seguro num posto de comando. Então, ao assim proceder, Macarthur, de fato, matou seu oficial subordinado. E isso é dito nas narrativas como os eventos em que "muitos bons oficiais foram sacrificados por erros de seus superiores". Nesse caso não foi um erro, mas uma deliberação consciente.
Quanto ao Juiz Wargrave, embora confesse que torceu as provas para instigar o Júri, é afirmado que, posteriormente à execução de Seton, novas provas foram encontradas e que confirmavam ser ele realmente culpado de assassinato, cuja pena era a morte que lhe fora decretada. Assim, o Juiz Wargrave seria o único que não teria cometido um assassinato injusto, embora sua intenção assim fosse, pois ao final os fatos o isentaram de erro.
Assim, vemos uma falha no poema dos dez soldadinhos: ao menos um dos que ali morriam não era culpado de um crime do qual se safara e se apenas os culpados poderiam ser mortos, eis o "arenque vermelho" em ação, porque ou um deles era inocente e não deveria morrer ou um deles era o inocente que estaria executando a justiça ideal, punindo os verdadeiros culpados, um Nêmesis contemporâneo.
Como se vê, fica fácil analisar qual personagem era o assassino, numa construção puramente lógica. Espero que haja essa descoberta espontânea ou a vontade de ler o livro, pois este que vos escreve não estragará a surpresa, como muitos resenhistas fazem.
Nos vemos em breve.
Outra coisa: para conseguir comprar a casa, enviar os convites, pesquisar a vida dos demais e montar toda a trama, o assassino tinha que possuir recursos, logo, considerando que o assassino estava entre os convidados, pode-se excluir todos em que se relata terem dívidas ou estarem falidos ou que aceitavam a empreitada para ganhar dinheiro: o assassino já tinha dinheiro, logo, não precisaria vir à Ilha por tal motivo.
Confesso, mais uma vez, que não consegui descobrir o assassino enquanto lia a obra. Sua identidade me foi uma completa surpresa, pois meu único acerto foi deduzir que, se o assassino era um dos convidados, então um deles forjaria a própria morte e continuaria matando aos demais ou seria o que iria sobrar.
A primeira dificuldade com minha suposição: havia um médico entre eles que poderia atestar uma falsa morte, o que abrira outras duas possibilidades: (a) ou o Dr. Armstrong seria o assassino, forjando sua própria morte e continuando a matar ou matar usando seus conhecimentos médicos sem que os demais percebessem e acabar sobrando ou (b) o médico estaria implicado nos assassinatos, mas teria um cúmplice, o qual ele acobertaria para que ambos continuassem a matança.
A segunda dificuldade: algumas mortes não poderiam ser dissimuladas, como o machado cortando a nuca de um, a pedra caindo sobre a cabeça do outro enquanto os supostos dois restantes estavam juntos (o que implicaria a existência de alguém que teria dissimulado a própria morte antes).
A surpresa foi constatar que minhas teses teriam que ser combinadas para que o verdadeiro assassino fosse descoberto, pois SIM, um deles tinha que fingir a própria morte e SIM o médico teria que atestar a morte para que parecesse verídica, porém isso não era um plano no qual o Dr. Armstrong fosse cúmplice do assassino, pelo menos não conscientemente, mas o plano era que a pessoa supostamente acima de qualquer suspeita e escolhida para ser a falsa vítima, ajudasse a encontrar o verdadeiro culpado.
E o escolhido para ser o detetive acabou se revelando o verdadeiro assassino!! Agatha Christie foi brilhante na trama!
Com as explicações lançadas ao longo da narrativa ficara fácil relembrar os fatos e ver que ao menos um deles não teria cometido um crime ao final, pelo qual deveriam pagar com a vida ali na Ilha do Soldado.
A maioria dos acusados confessou para outro ou para si mesmo a autoria dos crimes. Isso é fato.
Muito embora o General Macarthur não tenha conduzido a mão que matou seu subordinado no front, essa não era a posição definível para um Oficial Militar subordinado, que deveria ficar seguro num posto de comando. Então, ao assim proceder, Macarthur, de fato, matou seu oficial subordinado. E isso é dito nas narrativas como os eventos em que "muitos bons oficiais foram sacrificados por erros de seus superiores". Nesse caso não foi um erro, mas uma deliberação consciente.
Quanto ao Juiz Wargrave, embora confesse que torceu as provas para instigar o Júri, é afirmado que, posteriormente à execução de Seton, novas provas foram encontradas e que confirmavam ser ele realmente culpado de assassinato, cuja pena era a morte que lhe fora decretada. Assim, o Juiz Wargrave seria o único que não teria cometido um assassinato injusto, embora sua intenção assim fosse, pois ao final os fatos o isentaram de erro.
Assim, vemos uma falha no poema dos dez soldadinhos: ao menos um dos que ali morriam não era culpado de um crime do qual se safara e se apenas os culpados poderiam ser mortos, eis o "arenque vermelho" em ação, porque ou um deles era inocente e não deveria morrer ou um deles era o inocente que estaria executando a justiça ideal, punindo os verdadeiros culpados, um Nêmesis contemporâneo.
Como se vê, fica fácil analisar qual personagem era o assassino, numa construção puramente lógica. Espero que haja essa descoberta espontânea ou a vontade de ler o livro, pois este que vos escreve não estragará a surpresa, como muitos resenhistas fazem.
Nos vemos em breve.
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