[RESENHA] Agosto, em pleno junho!!
Enfim, finalizado o "Agosto", de Rubem Fonseca, lançado em 1990.
A edição que li é das mais baratas, comprada em bancas de jornais em uma coleção elaborada pela Folha de São Paulo por R$ 14,90!! Para que pagar mais caro, se a finalidade, que é ler o texto, pode ser atingida com mais economia?
Quem me conhece sabe que não me importo com o acabamento das edições que compro, de modo que, ao contrário de alguns canais de booktubers que acompanho, não tenho a menor tara por adquirir títulos repetidos dos livros que tenho apenas porque foi lançada uma edição em capa dura ou com bordas/corte colorido, ou porque enfim seria lançada uma edição ilustrada ou algo do gênero. Procuro apenas por edições que tenham... olha que curioso... o texto...
Isso porque, repito, para mim livros não são itens de decoração para serem exibidos numa estante, mas sim convites ao exaurimento de seu conteúdo. E querendo aliar o apreço pela literatura com os recursos disponíveis, nada melhor que acomodar ambos e buscar por preços menores em obras que mantenham a integralidade do conteúdo, ou seja, ideal é frequentar sebos, físicos ou virtuais, e bancas de jornais, pois em ambos, ganhando a confiança dos proprietários e vendedores, podem até guardar obras desejadas por você quando se tornarem disponíveis. Assim foi comigo por quase uma década junto a Banca Brasil, em Birigui/SP.
Mas e a obra?
Diferente do que eu pensei, Agosto não reescreve o suicídio de Vargas dando novas hipóteses mirabolantes para isso, inventando tramas e sugerindo crime ao invés do que de fato aconteceu, mas aborda uma estória paralela àqueles fatos de agosto de 1954 que culminaram com o suicídio do presidente.
O enredo acompanha o trabalho do Comissário Alberto Mattos, policial honesto e não integrante da folha de pagamento de bicheiros, na investigação do assassinato de Paulo Gomes Aguiar e as possíveis implicações disso com o Senador Freitas e outros figurões de alto escalão do governo Vargas, sem resvalar em nada que precisasse ser acomodado à história real.
Essa investigação também se imbrica com a tentativa de assassinato de Carlos Lacerda pelo assessor de Getúlio, Gregório de Matos, pois o comissário, inicialmente, pensava ser Gregório o executante do crime contra Paulo Aguiar, porque as ligações políticas deste poderiam ser antagônicas às pretensões e Getúlio. Depois passou a investigar também o Senador Freitas por achar que ele teria implicações no crime por conta de questões ligadas a uma licença de importação obtida de forma supostamente fraudulenta.
Interessante notar que o comissário se indispunha com outros policiais que estavam na folha de pagamento de bicheiros e não respeitava a "influência" destes na Delegacia, tanto que agrediu o bicheiro Ilídio e este contratou o "Turco Velho" para matá-lo. Depois, chamado à prestar contas pelos demais bicheiros mais importantes, foi convencido a revogar a ordem, mas não conseguiu falar com o matador.
Mattos, alertado por informantes, acabou prendendo o Turco Velho quando este apareceu em sua casa, levou-o para interrogatório, mas o comissário Pádua acabou por matá-lo... porque o Turco era uma pessoa ruim e não merecia viver... simples assim... Mattos ameaçou denunciar Pádua, mas não o fez.
Juntando todos os fios da investigação, o verdadeiro assassino de Paulo Aguiar é descoberto, que é o Francisco Albergaria, vulgo "Chicão", inclusive o mandante, que é o Clemente, assessor do Senador Freitas, à mando deste, porém a descoberta não acaba em uma ordem de prisão.
Nesse meio tempo o assessor Clemente também contrata um matador de aluguel para assassinar Mattos, mas ele não chega a cumprir a missão, embora diga que o fez e recebe o pagamento.
Como se vê, não há um spoiler genuíno aqui, porque a trama em si não tem nada de secreto que precise ser assim mantido para o grande desfecho, pois tudo o que é feito vai sendo narrado linearmente durante os acontecimentos, então não há nenhum segredo no fato do senador Freitas ter mandado matar um porteiro e pedir a morte de Mattos, nem de Clemente assim procedendo, nem de Gregório Matos ter arquitetado a morte de Carlos Lacerda, mas o pistoleiro ter matado o Major Aviador Rubens Florentino Vaz e outros fatos narrados... claro que há uma mistura de ficção com história, mas nada na parte ficcional necessita de segredismo.
Resumindo, pode-se dizer que a trama é bem construída e, apesar de acompanhar a rotina e investigações do Comissário Mattos e não a vida de Getúlio Vargas, faz insinuantes ligações entre todos os fatos que culminaram no suicídio do presidente e traz uma certa vivacidade às narrativas policiais.
Obviamente que isso não se dá por alocar todos os policiais cariocas da década de 1960 nos bolsos dos contraventores (bicheiros), mas porque traz para o público um linguajar, uns procedimentos e o caráter de pessoas da segurança pública que podem ser possíveis, embora não se possa com isso intuir que todos são assim, certamente.
A vivacidade se mostra pelo fato de que nem todas as opções investigativas iniciais são acertadas, que muitas pontas soltas vão continuar soltas, que mesmo descobrindo certos passos, é impossível fazer a ligação destes com os passos seguintes e por conta disso muitos criminosos acabam impunes, sendo inaplicável a máxima de que "ah, mas todo mundo sabe que ele é criminoso, só a polícia e o Judiciário que não fazem nada", porque é mostrado o que é feito e as dificuldades que disso pode decorrer.
Numa análise final, a obra é interessante como um thriller policial mesclado com as vidas particulares dos personagens, notadamente Mattos e suas duas namoradas e seu relacionamento com seus chefes, tendo um desfecho... aceitável, embora nada notável.
Vale a pena a leitura, que não é, na verdade, nenhuma "pena".
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