[RESENHA] Crime e Castigo
Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski
Leitura iniciada em 03/11/2018 e finalizada em 20/11/2018.

Acho que a construção da personalidade e caráter de cada personagem mediante situações vividas pelo mesmo, e não pelo recurso à autoanálise, torna demorada a apreensão da psiquê de cada um deles, ao mesmo tempo que os expõem a situações destoantes com o enredo do livro unicamente para que o leitor tenha uma ideia do que move aquele indivíduo a fim de entender o que o motivou, no enredo do livro em si, naquele fio condutor contínuo, a fazer o que fez.

O ENREDO
Novamente entra em pauta a discussão religiosa, neste caso, me pareceu, na forma de um questionamento sobre a validade do cometimento de um pecado em prol de um bem maior. Essa discussão já é clássica na Teologia Protestante em cotejo com a Filosofia da Religião, no sentido de indagar se, por exemplo, um capitão de navio que fosse abordado por piratas assassinos deveria, ao ser questionado sobre o paradeiro da tripulação escondida, informar aos piratas e deixar que Deus salvasse a tripulação caso quisesse, ou se esse capitão poderia mentir e assim salvar a tripulação toda.
Na obra Ródion Ramanovich Raskolnikov é impelido a pôr em prática sua tese de que homens superiores não devem explicações aos inferiores e, mesmo cometendo atrocidades, seriam justificados existencialmente por suas vítimas serem pessoas inferiores, fazendo diversas comparações com as atitudes de Napoleão Bonaparte, cujas invectivas militares causadoras de diversas baixas foram aplaudidas pela população.
O embate se deu por que o protagonista era um fracassado, gastava todo o dinheiro que sua mãe pobre lhe enviava para os estudos e ele conhecia uma usurária velha com a qual já tinha empenhado alguns bens familiares.
Ele decide que a velha usurária é um ser inferior, que cometia o delito de cobrar juros altíssimos em seus empréstimos e maltratava a irmã mais nova, e planeja matá-la e roubá-la. E consegue seu intento, contudo, acaba matando também a irmã deficiente dela, Lisavieta, que o surpreende após o assassinato. Ele consegue escapar e as situações que envolvem sua fuga estão bem no estilo do Deus Ex Machina, ou seja, aquele evento imprevisto, fora do controle dos personagens, mas que acontece miraculosamente e favorece um deles: ninguém o vê saindo do apartamento da usurária, embora todo o prédio esteja em obras e com pessoas na portaria.
O produto do roubo é amador: ele se apodera do que está mais perto, que são apenas algumas joias, não recobra o relógio que tinha empenhado, não vasculha as gavetas dos móveis da falecida (e com isso deixa uma fortuna em notas para trás) e, tomado de súbito pesar, enterra as joias sob uma pedra num terreno em obras e nunca mais volta para recuperá-las.
Dostoiévski, ao narrar os fatos, nos coloca em contato com as perspectivas de época de seus conterrâneos, por exemplo ao narrar a forma como se referiam à Lisavieta ter sido morta: alguns comentavam que ela era uma alucinada "que vivia engravidando e abortando", ou seja, ele mostra a falta de caráter de alguns em não ver problema nenhum em abusar de uma deficiente mental diversas e diversas vezes, o que é chocante em qualquer época. A natureza "humana" é realmente perplexa na ótica do autor.
Como sói acontecer com o autor, ele povoa o enredo principal com diversas outras historietas que nos permitem captar a psiquê dos demais personagens, como a bela Dúnia, irmã de Roskolnikov, envolvida num turbulento noivado com o qual o irmão não concorda (além de outro antigo pretendente retornar), Pulkéria, sua crédula e submissa mãe, Sônia, filha de um funcionário público alcoólatra, com a qual acaba mantendo um relacionamento especial. E todas estas "subtramas" acabam convergindo para o final da estória.
O autor mostra que, embora houvesse muita desconfiança de que Roskolnikov fosse o assassino, não haviam provas e, mesmo assim, ele se torturava pelo crime cometido e até queria ser severamente punido, mas sempre dava evasivas aos investigadores, voltava atrás em seu desejo de confessar-se e todos os encarregados do caso tentavam armar situações que o colocassem em xeque, mas curiosamente outros apareciam e assumiam a culpa pelo crime, dando detalhes sobre o cometimento.
Todos os passos da investigação aproximam as autoridades de Roskolnikov e logo depois o afastam delas, num ir e vir constante durante toda a obra, permeados por momentos em que o protagonista sente que vai ser pego e outros momentos nos quais quer se entregar em razão do remorso que os crimes lhe causaram.
Na obra Ródion Ramanovich Raskolnikov é impelido a pôr em prática sua tese de que homens superiores não devem explicações aos inferiores e, mesmo cometendo atrocidades, seriam justificados existencialmente por suas vítimas serem pessoas inferiores, fazendo diversas comparações com as atitudes de Napoleão Bonaparte, cujas invectivas militares causadoras de diversas baixas foram aplaudidas pela população.
O embate se deu por que o protagonista era um fracassado, gastava todo o dinheiro que sua mãe pobre lhe enviava para os estudos e ele conhecia uma usurária velha com a qual já tinha empenhado alguns bens familiares.
Ele decide que a velha usurária é um ser inferior, que cometia o delito de cobrar juros altíssimos em seus empréstimos e maltratava a irmã mais nova, e planeja matá-la e roubá-la. E consegue seu intento, contudo, acaba matando também a irmã deficiente dela, Lisavieta, que o surpreende após o assassinato. Ele consegue escapar e as situações que envolvem sua fuga estão bem no estilo do Deus Ex Machina, ou seja, aquele evento imprevisto, fora do controle dos personagens, mas que acontece miraculosamente e favorece um deles: ninguém o vê saindo do apartamento da usurária, embora todo o prédio esteja em obras e com pessoas na portaria.
O produto do roubo é amador: ele se apodera do que está mais perto, que são apenas algumas joias, não recobra o relógio que tinha empenhado, não vasculha as gavetas dos móveis da falecida (e com isso deixa uma fortuna em notas para trás) e, tomado de súbito pesar, enterra as joias sob uma pedra num terreno em obras e nunca mais volta para recuperá-las.
Dostoiévski, ao narrar os fatos, nos coloca em contato com as perspectivas de época de seus conterrâneos, por exemplo ao narrar a forma como se referiam à Lisavieta ter sido morta: alguns comentavam que ela era uma alucinada "que vivia engravidando e abortando", ou seja, ele mostra a falta de caráter de alguns em não ver problema nenhum em abusar de uma deficiente mental diversas e diversas vezes, o que é chocante em qualquer época. A natureza "humana" é realmente perplexa na ótica do autor.
Como sói acontecer com o autor, ele povoa o enredo principal com diversas outras historietas que nos permitem captar a psiquê dos demais personagens, como a bela Dúnia, irmã de Roskolnikov, envolvida num turbulento noivado com o qual o irmão não concorda (além de outro antigo pretendente retornar), Pulkéria, sua crédula e submissa mãe, Sônia, filha de um funcionário público alcoólatra, com a qual acaba mantendo um relacionamento especial. E todas estas "subtramas" acabam convergindo para o final da estória.
O autor mostra que, embora houvesse muita desconfiança de que Roskolnikov fosse o assassino, não haviam provas e, mesmo assim, ele se torturava pelo crime cometido e até queria ser severamente punido, mas sempre dava evasivas aos investigadores, voltava atrás em seu desejo de confessar-se e todos os encarregados do caso tentavam armar situações que o colocassem em xeque, mas curiosamente outros apareciam e assumiam a culpa pelo crime, dando detalhes sobre o cometimento.
Todos os passos da investigação aproximam as autoridades de Roskolnikov e logo depois o afastam delas, num ir e vir constante durante toda a obra, permeados por momentos em que o protagonista sente que vai ser pego e outros momentos nos quais quer se entregar em razão do remorso que os crimes lhe causaram.
Sem dúvida uma grande obra, um tanto mais clara que "Os irmãos Karamazóv", que consegue mostrar os dramas do protagonista pela defesa de suas ideias de superioridade. Mais me pareceu um percurso existencial no qual Roskolnikov inicia achando-se imenso, superior, mas que gradativamente vai tendo consciência de sua própria pequenez e da importância das demais pessoas de per si. Por exemplo, Sônia era uma prostituta, mas ele não deixou de se encantar com ela, até amá-la ao final, embora no início tenha se insurgido contra uma rica usurária, tendo-a matado juntamente com sua irmã, que era deficiente mental, sem remorso no início.
Um grande romance de autoconhecimento e de confrontação das ideias filosóficas em voga naquele momento histórica, analisada pela ótica religiosa do autor e avaliada como uma forma inferior de regrar a vida, que sempre seria melhor administrada sob os auspícios da religião.
Obviamente Dostoiévski não faz proselitismo religioso em suas obras, mas deixa implícito que todas as demais formas de cosmovisão devem ceder lugar àquele que coloca a consciência em submissão a Deus.
Um grande romance de autoconhecimento e de confrontação das ideias filosóficas em voga naquele momento histórica, analisada pela ótica religiosa do autor e avaliada como uma forma inferior de regrar a vida, que sempre seria melhor administrada sob os auspícios da religião.
Obviamente Dostoiévski não faz proselitismo religioso em suas obras, mas deixa implícito que todas as demais formas de cosmovisão devem ceder lugar àquele que coloca a consciência em submissão a Deus.
CONCLUSÃO
É um livro que tem que ser lido, juntamente com toda a obra do autor, de modo que é inevitável recomendá-lo.
Optamos por não dar spoiler nesta resenha porque a história já é consabida de todos e nada seria surpreendente, vez que a obra não é um thriller mas sim uma narrativa de vida.
Optamos por não dar spoiler nesta resenha porque a história já é consabida de todos e nada seria surpreendente, vez que a obra não é um thriller mas sim uma narrativa de vida.
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