[RESENHA] Fábrica de vespas
Fábrica de Vespas, de Iain Banks
Prazo de leitura: de 28/12/2018 até 30/12/2018.

Trata-se de uma ficção bastante diferente e que busca analisar a visão de um psicopata nascente, mostrando suas motivações e sistemas lógicos pessoais.
O ENREDO
Frank, o protagonista, possuía um sistema de atribuição de culpa e retribuição bastante demente: por exemplo, culpava a mãe em trabalho de parto por um acidente grave de que foi acometido (ataque de cachorro que o emasculou), chacinou uma colônia de coelhos com bombas e gasolina/fogo porque um coelho grande o machucou quando ele tentou matá-lo com uma espingarda (culpou a espécie pelo "ato" de apenas um).
Logo no início do livro somos apresentados a toda uma nomenclatura esquisita que, mais tarde, entendemos ser o sistema de nomeações criado por Frank para batizar lugares, ritos e eventos marcantes para ele.
A cada capítulo somos apresentados a um aspecto que moldou a personalidade de Frank e vamos, passo a passo, entendendo o seu modo de pensar e sua lógica pessoal para os comportamentos que tinha, inclusive quando narra ter matado três pessoas sem que houvesse qualquer desconfiança dos parentes.
Do mesmo modo o autor vai nos descrevendo Frank a medida que a narrativa prossegue: era emasculado, tinha aversão por mulheres, era gordo, inteligente, metódico, sádico e sempre imaginava que todos lhe eram devedores por coisas que fizeram ou por uma questão de "equilíbrio" que só ele entendia.
O fio condutor da narrativa, afora mostrar as manias de Frank e suas relações, se desenvolve em torno da volta de seu irmão Eric, que fugira de um manicômio, cujos detalhes de sua internação só saberemos à conta-gotas mais adiante. Os receios de Frank quanto a este retorno se mostram bastante palpáveis na medida em que ele tinha consciência de que Eric era louco e não tinha noção de sua própria condição psicopata.
Tal condição vai sendo mostrada na medida que a leitura avança e o protagonista passa por alguns flashbacks, mas não é possível determinar o gatilho inicial de suas ações, pois mesmo o primeiro evento que lhe causou desconforto é precedido por uma mentalidade já predisposta à vingança capital quando esta fosse necessária.
Assim, mesmo que o autor ente explicar a mente doentia, ele não se debruça sobre as causas de tal situação. Nem é esta a proposta do livro.
Confesso que eu não me impressiono com a leitura de ficções, por mais "realistas" que possam parecer, mas a leitura desse livro me agradou mais pela fina ironia do autor do que por imaginar que descortinei o véu do funcionamento do mecanismo da mente de um psicopata.
Achei o roteiro um pouco forçado, porque embora seja uma tentativa plausível de analisar como a mente de um psicopata funciona em seus estágios iniciais, o autor se perde quando esboça as preocupações de Frank de modo muito elaborado e complexo para alguém retratado com apenas 17 anos, mais parecendo que seriam reflexões do autor expressas por seus personagens.
Não é segredo que muitos, se não a maioria, dos autores tecem as suas próprias reflexões por meio de seus personagens, mas neste ponto entendo que a criação da psiquê e do entorno social da personagem devem corresponder ao tipo de discussão proposta pelo autor, senão fica algo desconexo do contexto.
Lendo a obra como um todo tive a impressão de que o autor quer discutir muitos temas, tais como a loucura de Eric e sua causa possível, a sexualidade de Frank devido à sua emasculação, a amizade com o anão Jamie, o preconceito severo contra mulheres e a sociedade em si, as relações familiares e seu efeito sobre os filhos, porém a linha argumentativa foge um pouco do controle.
A leitura em si é fluida, rápida, porque sendo o livro todo narrado em primeira pessoa, o leitor já sabe que as impressões ali descritas serão parciais e não haverá nada a ser comparado com aquilo, porque não se trata de descobrir quem fez o que, mas apenas de acompanhar a fluência dos pensamentos e ações do protagonista em sincronia com os eventos atinentes ao irmão Eric.
Entendo que o protagonista não é descrito como um sociopata porque ele consegue estabelecer laços relacionais com os demais personagens, inclusive uma séria amizade com Jamie e não vive pensando em matar o tempo todo. Ele tem seus "motivos" e seus "meios" para isso e segue a cartilha piamente.
Em geral, não é uma leitura que me agrada, porque é muito especulativa e com tentativas de "explicação da realidade" que não me são convincentes, tal qual o famoso "Precisamos falar sobre o Kevin", que sequer adquiri depois de saber que a temática é similar.
Por fim, a revelação final do livro eu achei bastante boba e desnecessária, algo que apenas acrescenta uma pitada a mais de bizarrice à toda a trama, sem mencionar que ela passa a ideia de que a gestação de um psicopata necessariamente passa pela coculpabilidade de todos aqueles que têm contato com o indivíduo, repartindo as causas e não tendo qualquer inferência sobre a conclusão acerca da responsabilidade do próprio indivíduo.
CONCLUSÃO
Muitos poderão achar essa leitura pesada e pensar que estão "entrando na mente de um psicopata", mas eu diria que tal abordagem é forçada e fruto de amadorismo literário ou de uma extrema sensibilidade (injustificada), porque é apenas uma história com fio narrativo íntegro, permeada por aportes sobre a psiquê do protagonista mas sem qualquer exatidão científica, visto que o autor não pertencia à área médica para robustecer tal conclusão.
Assim, como passatempo e distração trata-se de uma boa obra, a primeira que o autor conseguiu publicar depois de diversas negativas das editoras de época, e é bem diferente das tradicionais ficções a que estamos acostumados quando a intenção é abordar a mente criminosa.
Recomendo a leitura, mas desde que o leitor não comece a dizer que "oh, agora eu sei como um psicopata pensa", porque isso ele não vai saber por essa leitura não. Ou seja, leia se tem a maturidade para não se deixar afetar e povoar as discussões com superfluidades.
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