Relatórios passados (3)
Prosseguindo com o roteiro de leituras, fui de Victor Hugo: Os trabalhadores do mar:
"E para o período entre fevereiro e março escolhi este, de Victor Hugo.
Confesso que me enganei pelo título. Pensei que seria uma estória chata de marinheiros, mas não é nada disso (eu não leio sinopses antes de começar a ler um livro. Sigo pelo autor, época e estilo literário e só depois de ter começado é que procuro resenhas). O livro, claro, fala sobre marinheiros, mas é mais uma observação e crítica de época, na qual vemos parte das ambições daqueles trabalhadores, parte das "lendas urbanas" tidas por verdades absolutas e um pouco do senso francês pós Revolução, com aquela pequena veia do Laicismo ateu, tudo misturado numa fina ironia e sarcasmo usados pelo autor.
Até aqui tenho gostado e acho que será uma leitura bem fluida também.
Leiamos? Sim, leiamos!"
E, quase ao acabar, fiz as conclusões como segue:
"Pois bem.
Caminhando para o final deste clássico posso adiantar algumas coisas.
1. Realmente o livro não fala sobre as proezas de marinheiros no mar, mas das estórias de pessoas ligadas ao mar e que viveram aventuras por causa dele. Mas há partes em que só se fala sobre termos náuticos para os quais me fez falta um dicionário;
2. O autor usa dos cenários para dar vazão às suas ideias filosóficas: a escuridão, o maniqueísmo divino, a propagação dos falsos conhecimentos populares, a forma da vida das classes sociais francesas de época;
3. Victor Hugo faz uma mordaz descrição e crítica dos costumes e aspirações do povo comum de época pós Revolução Francesa, além de ter uma linguagem acessível nessa tradução;
4. Estou me divertindo com as proezas do protagonista. Já se foram um sem-número de capítulos e páginas para narrar uma aventura em que se meteu em troca de uma promessa genérica feita num momento de dor por outro. Não duvido nada de que depois de três meses dessa proeza, ele alcance o êxito na tarefa, mas descubra que o fato perdeu a importância para o promitente e o prêmio tenha sido dado a outro, por outros motivos!!
Mas ainda estou na p. 297 de um total de 366... Vamos ver como acaba!
Continuemos a navegar para não naufragar!"
Essa foi uma leitura densa, mas acabando concluí o seguinte:
"#leitura #LiteraturaClassica
Terminado!
E eu estava certo sobre o desfecho!! Realmente os "trabalhadores do mar" tiveram um desfecho bem típico do Romantismo europeu, com muitos sacrifícios, muitos altruísmos, muito amor idílico e platônico, mas não tanto estilo dramalhão como algumas literaturas românticas portuguesas e brasileiras.
Victor Hugo fala sobre diversos temas próximos ao francês pós Revolução, mostrando alguma ironia e sarcasmo ao falar, por exemplo, de costumes burgueses e de crenças, mas também enveredava por reflexões que não tinham nada a ver com a temática do texto, como por exemplo quando ele para toda a obra para inserir um capítulo sobre "a sombra" e daí fazer toda uma reflexão filosófica a respeito de seus vários possíveis significados.
Seria algo como o "jabuti" metido no meio de um projeto de lei federal, para ficar mais táctil a compreensão. Ou as peças artísticas brasileiras que traziam críticas implícitas ao Regime Militar e acabavam driblando a censura e eram autorizadas: tinha um texto óbvio e outro implícito.
Claro que, se olharmos o contexto social e o ambiente de Hugo, a reflexão tem todo o sentido e poderia ser escrita num semanário ou coisa semelhante, mas inseri-lo ali, nessa obra, não teve o menor sentido.
Não foi uma leitura ruim, mas muito ao contrário, foi enriquecedora por me mostrar como o cotidiano francês era notado pelos mesmos protagonistas: o povo comum, embora sendo retratado por um intelectual.
É uma leitura não óbvia, cativante, mas com final previsível para o protagonista, o que qualquer um já percebe nas entrelinhas do que o autor vai narrando. É fácil deixar passar e tomar um baita susto ao final, mas com perspicácia é possível perceber os rumos da trama, sem com isso torná-la desinteressante.
Recomendo a leitura."
Finalizado, iniciei o clássico Não me abandone jamais, de Kazuo Ishiguro:
(1)
"
#leituras #LiteraturaEstrangeira
Agora vamos desse aqui!
Que livro empolgante está sendo! Li 1/3 só hoje, estou na p. 112, e a forma como Ishiguro te prende na trama é um tremendo golpe baixo: você não consegue, não quer parar!! Que forma inteligente de escrever um enredo distópico e socialmente instigante.
Está me parecendo uma crítica social embora em termos superlativos e bem alternativos, considerando que a trama ali desenvolvida pode ser vista como uma possibilidade contra um certo mercado negro atinente à saúde das pessoas.
E vamos continuar que tem muito chão... Ops... Muita página pela frente!
(2)
#leituras #leiturasempre #literatura
O Ishiguro joga baixo nesse livro ("Não me abandone jamais")!! Rssss
Ele vai desvencilhando a trama à conta-gotas e isso prende a leitura!!!
Termos como "cuidador", "doador", o tipo de internato que era Hailsham, a educação recebida pelos internos, tudo isso ganha novos contornos à medida que a leitura avança.
Em cada capítulo mais luzes são jogadas e com isso vamos decifrando acontecimentos já lidos e tentando adivinhar os futuros, nas a distopia que ele criou foge aos padrões da previsibilidade!!! Ficção científica, crítica social, expectativas sociais, tudo isso é misturado nesse enredo de uma forma inteligente e, por mais que a protagonista reflita sobre suas lembranças, não é um romance juvenil, mas muito ao contrário!! Mas ainda estou na página 203 de 343, então vamos aguardar.
Mas a foto não tem nada a ver com isso... Ela só se prestou a mostrar que quanto mais você lê (e eu já li mais de 30.000 páginas desde meus 18 anos) você fica um pouco chato e exigente com a qualidade da revisão do texto é eu, logo na pág. 74, achei esse vacilo de trocar "cochicho" por "cochilo"!! Rssss
Nunca uma tradução captará integralmente as possíveis sutilezas linguísticas, retóricas ou semânticas da língua original, daí o esmero na escolha das palavras (saindo um pouco da tradução literal e inserindo trechos em tradução dinâmica ou de equivalência dinâmica) mas também a necessidade de revisão mais acurada.
Tá, eu sei, tô sendo chato (um leitor assíduo pode trocar "estou" por "tô"? Fica a dúvida), mas só pra mostrar que temos que prestar atenção em tudo, porque num livro de revelações constantes, um detalhe desse pode nos fazer divagar e errar nas possíveis previsões que façamos.
Mas foi só esse erro que encontrei até agora. Creio que não terá mais!
Agora, com licença.
(3)
#leitura #LiteraturaEstrangeira #euamoler *Não me abandone jamais - Kazuo Ishiguro*
Enfim, o fim!! Abbiamo finito!! Das enden!! Seis dias de leitura, 57 páginas por dia, intercaladas com Esopo e Fedro... Tá bom, né?
Como eu previa, a expectativa quanto ao desfecho do livro foi superada, foi bem mais impactante do que eu suspeitei!
A trama é 1/3 ficção, 1/3 discussão sobre relacionamento/solidão e 1/3 *bem* sutilmente uma certa discussão metafísica sobre o poder ou a impotência de se mudar um destino socialmente/existencialmente traçado para nós.
Nada com religião.
O teor metafísico que enxergo tem a ver com minha formação em Filosofia e por ver nesse romance uma luta dos protagonistas para escapar de seu destino ou para o aceitarem sem queixas, ainda que as escolhas sensíveis tenham sido feitas por outros sobre suas vidas.
Não sou de fazer resenhas de livros porque isso tira o gosto daqueles a quem eu conseguir viciar de que também vão se surpreendendo com a leitura. Até porque, estou apenas falando de algo que gosto, não procurando expor portfólio para contratação por uma editora (rssssss). Pois bem, mas posso dizer que a escrita de Ishiguro é cheia de reviravoltas quando expõe as expectativas das personagens e as tentativas que fazem de provar suas teorias.
Não sou um leitor que desenvolva sentimentos por personagens, nem sou afetado por algo que leia, mas tangenciar possíveis formas deles interagirem com a realidade é interessante e nos coloca de frente com a questão dos pontos de vista diferentes dos nossos, o que é saudável. Considerando que cada personagem tem uma personalidade bem marcada nesse romance, certamente identificaremos a nós mesmos em alguns deles ou alguém que conheçamos.
Pode ser que a semelhança acabe na superfície, pode ser que seja mais profunda, mas o bom é saber entender as motivações de cada um e levar um pouco dessa "experiência" deles para o nosso cotidiano.
Ajuda a clarear as ideias.
Recomendo a leitura, claro.
E agora, partir para o próximo!! Ler é bom!"
E acabamos mais um relatório passado do que foi lido até então.
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